quarta-feira, 24 de setembro de 2008

- Vim de mala e cuia.
- Mala e o quê? – perguntou o gringo com sotaque carregado.
“Cuia”
O conforto da casa paterna havia ficado para trás e a cidade se mostrava como uma fonte inesgotável de possibilidades para trabalhar, estudar e viver.
Após um tempo de caminhada na larga avenida à beira-mar, parei em uma farmácia comprar curativos e lá permaneci por meia hora. Sabe quando você começa a crer que encontrou a pessoa certa? Pois é! O homem em minha frente fez uma ligação e me encaminhou a um banco.
- É melhor você pegar um táxi, moça – falou o balconista me alertando sobre a distância que eu teria de percorrer.
“E eu lá posso gastar dinheiro com táxi?”
- Não, não. Vou andando... Quero conhecer a cidade.
(...)
- Garota, o que você fez até os 27?
“Tive depressão!”
- Toquei violino – respondi.
- Olha – explicou sério o gerente – este lugar é muito punk, além do que você já passou da idade de iniciar um trabalho em uma instituição financeira.
- Está dizendo que estou velha?
- Não, claro que não! É que os bancos estão acostumados a recrutar moças com no máximo 22 anos para que possam fazer carreira.
“Emprego em banco é carreira ou fim de carreira?”
O gerente do trabalho punk deu um telefonema rápido e em seguida eu deixei o berçário rumo a um escritório de despacho aduaneiro, a três quarteirões dalí.
- Sente-se, por favor. O diretor está terminando uma reunião e já irá atendê-la – disse-me a esquálida recepcionista com voz de secretária eletrônica, que levantou e levou com ela meu currículo para a sala do diretor.
Tomei um bom chá de cadeira. O bom foi descansar os pés da longa caminhada da praia até o centro da cidade. Com salto.
A secretária chamou por mim e ao adentrar à sala do diretor, sendo medida da cabeça aos pés, ouvi:
- Iremos encaminhar seu currículo ao departamento pessoal e você deve estar aguardando um telefonema. É bom estar ciente de que a área de comércio exterior está parcialmente paralisada por causa da guerra do golfo – respirou – Você sabe, tudo caminha de forma lenta em períodos de guerra. Talvez até precisemos estar cortando pessoal. Acredito, sendo bastante otimista, que até o final do ano estaremos contratando. Agradeço por ter vindo.
“Já? Mas eu nem falei nada! Até o final do ano terei morrido de fome...”
- Ah! Uma pergunta... Fala italiano?
- Fiz aulas de italiano – respondi. Cursei por oito meses e parei por estar sem emprego.
- Com esse sobrenome não acredita que deveria falar italiano desde que nasceu?
- Não! – disse enfaticamente – fala russo? – interroguei-o referindo-me à placa com o nome do Dr. Gerúndio sobre sua mesa.
(...)
Decidi tomar um sorvete naquele fim de tarde. Meus pés já estavam no caco, cheio de bolhas e era hora de parar. Na primeira sorveteria que surgiu no caminho.
- Quanto lhe devo?
- Dois reais... Você não é daqui, é? – indagou o vendedor.
- Não.
- Fica até quando?
- Até quando der. Vim de mala e cuia.
- Mala e o quê?
“Deixa pra lá...”

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