terça-feira, 30 de setembro de 2008

O post de ontem foi mesmo um desabafo.. Não dá para comparar o que se estuda com o quanto se ganha.... de forma alguma. E no trabalho entram outros interesses além do salário.
Estou pensando melhor a respeito de tudo. O que vale a pena para mim e, principalmente, o que não vale.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Desabafo

A crença em um futuro melhor para a educação no Brasil me levou às salas de aula das escolas públicas. Acreditei que eu poderia fazer a diferença na questão da qualidade do ensino - mais ou menos como aquela historinha do beija-flor que faz a sua parte e leva água no bico para apagar um grande incêndio - quando o governo parece não se importar na verdade com isso.
Deparei-me com uma estrutura de trabalho capenga, deficiências materiais e físicas, indisciplina, violência - e não é apenas da violência física que falo, não! É da moral, da psicológica, utilizada comigo e outros colegas professores.
Salário? Não sei se rio ou se choro copiosamente. Ler Lynch, Donghi, Stein, Le Goff e Bloch, entender Marx e Foucault. Tentar compreender Nietzsche para não receber um salário mínimo? O pedreiro que ficou em casa no final de semana recebeu mais pelo trabalho. Não que eu ache que o trabalho dele não valha, mas e o meu?
Não sou Madre Teresa de Calcutá. Vivo em uma sociedade capitalista e sei que não posso lutar contra um sistema que tem o intuito de criar um país de analfabetos funcionais. Talvez eu consiga fazer a minha parte quando tiver condições - e terei - sem esperar de alguma instituição pública.
A professora, provisoriamente, jogou a toalha...

sábado, 27 de setembro de 2008



Finalmente estou aqui, embarcando para a minha viagem tão sonhada: Bora Bora, Polinésia Francesa. Nem liguei para as escalas que o avião faria, tampouco para o aperto da classe econômica, afinal, brasileiro está acostumado com aperto. A recompensa seria um camarote para contemplar o paraíso.
Fui recebida pelos tradicionais colares floridos e flûtes de champanhe e então um barqueiro me levou ao meu bangalô, que ficava em um hotel maravilhoso. Avisou-me que ele seria o responsável em trazer o café da manhã todos os dias. “Igual lá em casa”. Cama king size, travesseiro de pena de ganso, hidromassagem com vista para o mar...
Após desfazer as malas e trocar a roupa, mergulhei no azul mais-que-perfeito que nem sequer um grande pintor poderia imaginar. Jantar à luz de velas, céu estrelado no fundo, sentindo a brisa do Éden... Adormeci tendo a certeza de que a vida é mesmo bela.
Ei, ei, ei! Cadê meu bangolô? Cadê o marzão azul-turquesa, cadê? – despertei com o celular tocando.
- Alô – a voz saiu como a de um coveiro fazendo hora extra em dia de feriado.
- Bom dia, aqui é a gerente do banco, tudo bem?
“Só se for com você”
- Tudo bem – disse eu, tentando ser otimista.
- Estou ligando para avisar que caiu um cheque em sua conta e você precisa depositar o dinheiro que falta antes do meio-dia, tudo bem?
“Só se for pra você”
- Tudo bem, logo estarei aí.
(...)
Porcaria. Será que se eu dormir novamente acordo em Bora Bora? O jeito era levantar e preparar o café, porque o barqueiro não viria mesmo.
- Bom dia! – disse meu pai com seu bom humor habitual – alguma novidade?
- Bom dia, pai. A gerente do banco ligou. “Ai” – respirei fundo à espera do sermão.
Depois de ouvir um sonoro “quem não trabalha não gasta”, fui ao banco. O rombo não era astronômico, mas caso não fizesse o depósito ele ficaria proporcional à distância que me separava de Bora Bora.
- Pronto. Tudo certo agora? – questionei à gerente.
- Sim, vamos até minha mesa que tenho boas notícias para você.
“E banco dá boa notícia?”
- O que acha de ter o limite de seu especial aumentado? – perguntou-me – Entaõ, eu estava olhando e vi que você não te seguro de vida e ...
Cortei-a:
- Olha, muito obrigada, mas eu não pretendo morrer nos próximos 70 anos. Tem mais alguma boa notícia?
- O contrato de seu especial vence daqui a 45 dias e seria mais fácil renová-lo se fizesse o seguro. Pense a respeito.
(...)
Adormeci com um elefante nas costas, entretanto, despertei com um som familiar: era o barqueiro que me trazia uma enorme bandeja de guloseimas. Nunca o bangalô foi tão aconchegante. Sorte minha viver no paraíso.




quarta-feira, 24 de setembro de 2008

- Vim de mala e cuia.
- Mala e o quê? – perguntou o gringo com sotaque carregado.
“Cuia”
O conforto da casa paterna havia ficado para trás e a cidade se mostrava como uma fonte inesgotável de possibilidades para trabalhar, estudar e viver.
Após um tempo de caminhada na larga avenida à beira-mar, parei em uma farmácia comprar curativos e lá permaneci por meia hora. Sabe quando você começa a crer que encontrou a pessoa certa? Pois é! O homem em minha frente fez uma ligação e me encaminhou a um banco.
- É melhor você pegar um táxi, moça – falou o balconista me alertando sobre a distância que eu teria de percorrer.
“E eu lá posso gastar dinheiro com táxi?”
- Não, não. Vou andando... Quero conhecer a cidade.
(...)
- Garota, o que você fez até os 27?
“Tive depressão!”
- Toquei violino – respondi.
- Olha – explicou sério o gerente – este lugar é muito punk, além do que você já passou da idade de iniciar um trabalho em uma instituição financeira.
- Está dizendo que estou velha?
- Não, claro que não! É que os bancos estão acostumados a recrutar moças com no máximo 22 anos para que possam fazer carreira.
“Emprego em banco é carreira ou fim de carreira?”
O gerente do trabalho punk deu um telefonema rápido e em seguida eu deixei o berçário rumo a um escritório de despacho aduaneiro, a três quarteirões dalí.
- Sente-se, por favor. O diretor está terminando uma reunião e já irá atendê-la – disse-me a esquálida recepcionista com voz de secretária eletrônica, que levantou e levou com ela meu currículo para a sala do diretor.
Tomei um bom chá de cadeira. O bom foi descansar os pés da longa caminhada da praia até o centro da cidade. Com salto.
A secretária chamou por mim e ao adentrar à sala do diretor, sendo medida da cabeça aos pés, ouvi:
- Iremos encaminhar seu currículo ao departamento pessoal e você deve estar aguardando um telefonema. É bom estar ciente de que a área de comércio exterior está parcialmente paralisada por causa da guerra do golfo – respirou – Você sabe, tudo caminha de forma lenta em períodos de guerra. Talvez até precisemos estar cortando pessoal. Acredito, sendo bastante otimista, que até o final do ano estaremos contratando. Agradeço por ter vindo.
“Já? Mas eu nem falei nada! Até o final do ano terei morrido de fome...”
- Ah! Uma pergunta... Fala italiano?
- Fiz aulas de italiano – respondi. Cursei por oito meses e parei por estar sem emprego.
- Com esse sobrenome não acredita que deveria falar italiano desde que nasceu?
- Não! – disse enfaticamente – fala russo? – interroguei-o referindo-me à placa com o nome do Dr. Gerúndio sobre sua mesa.
(...)
Decidi tomar um sorvete naquele fim de tarde. Meus pés já estavam no caco, cheio de bolhas e era hora de parar. Na primeira sorveteria que surgiu no caminho.
- Quanto lhe devo?
- Dois reais... Você não é daqui, é? – indagou o vendedor.
- Não.
- Fica até quando?
- Até quando der. Vim de mala e cuia.
- Mala e o quê?
“Deixa pra lá...”